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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Gertrudes: a escrava que desafiou a Paraíba

No Centro da então cidade da Parahyba (atual João Pessoa), na Rua das Trincheiras e aos redores, a 'Negra do Tabuleiro' circula vendendo frutas, verduras e o que mais lhe permitam. Ela é conhecida de pobres e riscos, tem amigos em diversas camadas sociais. Escrava alforriada de cerca de 30 anos, Gertrudes Maria não aceitou a condição de mercadoria que muitos lhe atribuíam e se e insurgiu contra uma sociedade escravocrata em pleno século XIX. A crioula quitandeira, como era conhecida, não quis ser vendida em praça pública e para que isso não acontecesse travou uma verdadeira guerra judicial pela própria liberdade que durou 14 anos.
A história da negra Gertrudes Maria faz parte da dissertação de mestrado da historiadora Solange Rocha intitulada 'Na Trilha do Feminino: Condições de vida das mulheres escravizadas na Província da Paraíba' e defendida na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2001. De acordo com Solange, em 1820 a escrava que era propriedade de Carlos José da Costa conseguiu comprar a própria liberdade por 100 mil réis, metade do seu valor, sob a condição de prestar serviços a ele por tempo indeterminado para quitar o restante da dívida. Gertrudes, que já aproveitava a liberdade condicionada, só não contava que o seu senhor estivesse cheio de dívidas e que poderosos da Capital, inclusive do clero, quisessem usá-la para recebem o valor devido por Carlos José da Costa.
"Gertrudes teve que se opor a um 'embargo de penhora' contra seu senhor, iniciado em 1828, que colocou em risco a sua liberdade parcial", conta a historiadora. De acordo com Solange, o grande feito da quitandeira foi o de não ter se posicionado de forma passiva e de ter procurado de imediato o auxílio de advogados em sua defesa. " Quando essa libertanda recorreu à Justiça, não era comum às mulheres e aos homens escravizados contratassem advogados ou serem representados por eles, visando litigar na justiça, em defesa do que consideravam seus 'direitos', colocando-se contra seus donos ou suas donas", lembrou.
Na sua luta jurídica, que durou de 1828 a 1842, Gertrudes Maria teve que enfrentar homens poderosos como o carmelita Frei João da Encarnação, para o qual o senhor Carlos José da Costa devia 176$190 réis e a José Francisco das Neves para quem era devido cerca de 33 mil réis. Para isso, a escrava contou com a amizade de advogados bastante prestigiados na capital paraibana. Durante os primeiros anos da ação, Gertrudes Maria foi defendida pelos advogados Luís Nogueira Moraes e José Lucas de Sousa Rangel. Em 1830, a causa passou para as mãos de Francisco de Assis Pereira Rocha e de Feliciano José Henriques Júnior. "O primeiro atuou por longo tempo na causa de Gertrudes Mara. Ele era um representante da elite paraibana que exerceu vários cargos administrativos, acompanhou o caso por mais de 10 anos, até a década de 1840", conta Solange.
A prisão
Em 1831, o juiz Inácio de Sousa Gouveia deu ganho de causa aos credores de Carlos José da Costa, considerando a carta de liberdade de Gertrudes Maria nula que deveria ser vendida e cabendo a ela o pagamento das custas do processo. Contudo, os advogados da quitandeira não desistiram e entraram com uma apelação, sendo o processo enviado para julgamento em órgão superior de Justiça, a Ouvidoria Geral da Comarca.
Novas informações sobre a ação cível são datadas de 11 de novembro de 1842, quando um dos credores, José Francisco das Neves, contratou um advogado para reativar o processo. "Conforme informações contidas na ação, ficamos sabendo que a solicitação dele foi acatada. Gertrudes Maria e seus dois filhos foram presos, tendo sido libertada em 1 de dezembro de 1841". O argumento aceito contra Gertrudes era o de que o seu depositário, José Bernardino, "a deixou viver a rédea solta e concubinada com um índio com que morava de porta adentro e de quem hoje tem duas crias". Para conseguir a liberdade de volta, Gertrudes solicitou um novo responsável, o tenente Modesto Honorato Victor. Quatro meses depois, em abril de 1841, o mesmo credor entrou com uma "Ação em Juízo" na tentativa de vender Gertrudes e os filhos em praça pública para receber a dívida, sendo estas as últimas informações registradas sobre o caso.
"Embora não tenhamos conhecido o resultado da apelação do caso aludido, É uma história emblemática por representar as lutas de muitas outras mulheres escravizadas de várias regiões da Paraíba e do Brasil", afirma Solange Rocha.

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