PARAIBA VOX

- Onde a Paraíba esta sempre em primeiro lugar -

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

STF não pode determinar que governo extradite Battisti

Por Márcio Vinicius Jaworski de Lima

Muito se tem discutido acerca da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Extradição 1.085, relator ministro Cezar Peluso, referente ao italiano Cezare Battisti. Neste caso, por maioria de votos o Supremo Tribunal Federal concedeu a extradição, e numa segunda etapa também por maioria de votos decidiu que cabe ao presidente da República efetivar, se assim entender, a extradição requerida pelo governo da Itália.
É importante destacar que matéria relacionada à vinculação ou não do presidente da República à decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em processo de extradição não surgiu a partir da extradição aqui citada, mas já era ponto discutido em doutrina, motivado pela redação dada ao artigo 83 da Lei Federal 6.815/80 que preceitua que nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do plenário do Supremo Tribunal Federal acerca de sua legalidade e procedência não cabendo recurso de tal decisão. Assim, o Supremo Tribunal Federal apenas avaliza ou efetivamente determina a extradição ?
Este artigo não abordará a questão da natureza do crime praticado pelo italiano Cezare Battisti, questão essa, resolvida na primeira parte do julgamento da Extradição 1.085, pois, não há dúvida de que ao Supremo Tribunal Federal cabe apreciar a natureza do crime, se comum ou político, nos termos do artigo 77, parágrafo 2º, da Lei Federal 6.815/80. Apenas para registro, a Corte Suprema Brasileira decidiu que houve crime comum, daí por que, por maioria, decidiu pela procedência da extradição. E a entrega ao Estado requerente?
A meu ver, a extradição concedida pelo Supremo Tribunal Federal não tem o condão de obrigar o presidente da República a entregar o extraditando ao Estado requerente. Explico.
O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do sistema Judiciário, com jurisdição em todo território brasileiro, faz parte do Poder Judiciário, um dos três Poderes da União, nos termos do artigo 2º da Constituição Federal. Tal comando constitucional é direcionado aos limites da soberania da República brasileira. O Supremo é Supremo nos limites territoriais do Brasil, tanto que se emitir uma ordem de captura de cidadão brasileiro para ser cumprida fora do território brasileiro, tal ordem será dirigida ao ministério das Relações Exteriores, através de carta rogatória, para ser cumprida, nos moldes da lei do Estado onde se encontra a pessoa alvo de tal ordem, pelo Poder Judiciário daquela localidade.
Em resumo, há que se respeitar a soberania alheia.
E isto tem tudo a ver com extradição, que está muito mais vinculada ao Direito Internacional do que propriamente ao Direito interno pátrio. No processo de extradição, o requerente é sempre um Estado estrangeiro que solicita a outro Estado a entrega de pessoa que esteja no território deste, sendo que a extradição dependerá do cumprimento de requisitos pelo Estado requerente, no Brasil, previstos na Lei Federal 6.815/80. A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 102, inciso I, alínea “g” conferiu ao Supremo Tribunal Federal o processamento e julgamento de extradição.
Mas como dito no parágrafo anterior a extradição tem como partes Estados soberanos, um que solicita a entrega da pessoa, e outro que analisará, segundo sua legislação, o pedido feito, concedendo ou não a extradição. Disso resulta que todo pedido extradicional, no nosso caso, tem como parte o Estado Brasileiro, soberano, e de outro lado, um Estado estrangeiro, portanto, estamos no âmbito do Direito Internacional, tanto que esta relação pode ser regida por tratado. E aí, a meu sentir, está o ponto fulcral da questão.
Se por um lado, o Direito interno confere ao Supremo Tribunal Federal o processamento e julgamento de extradição, de outro lado, na ponta da questão, temos Estados Soberanos numa relação regida por Direito Internacional, até por tratado. Penso que foge à alçada do Supremo Tribunal Federal qualquer determinação ao presidente da República no sentido de entregar a pessoa ao Estado requerente, vez que o artigo 21, inciso I, da Constituição Federal diz competir à União manter relações com Estados estrangeiros, e aqui a União é representada pelo presidente da República, que é chefe de governo e de Estado. Tanto isso é aceitável (no Direito não existe o certo, existe o aceitável, segundo o ministro Eros Grau) que pode haver tratado e aí a entrega será feita nos moldes deste documento.
O Supremo Tribunal Federal, penso eu, tem a missão constitucional de analisar os pressupostos da extradição, dando seu aval para que o presidente da República, com segurança, faça a entrega do extraditando, se for o caso. Caso o Supremo Tribunal Federal julgue improcedente o pedido de extradição, deve o presidente da República deixar de entregar o extraditando, pois, a Corte Suprema terá declarado que o pedido está irregular segundo a legislação pátria. Caso diverso é da procedência do pedido, pois, a declaração é de que o pedido é regular, não há óbices mas como na ponta existe uma relação entre Estados Soberanos, e quem representa o Brasil nesta relação é o presidente da República, não vejo como haver interferência do Supremo Tribunal Federal no sentido de determinar a entrega do extraditando, pois, estamos no âmbito de Direito supra-nacional, que é regido pelo Direito Internacional.
Concordo com o posicionamento externado pelo Ministro Eros Grau, na segunda parte do julgamento da Extradição 1.085, quando se manifestou no sentido de que cabe o presidente da República decidir quanto à entrega do extraditando mas tal decisão deverá estar pautada no Tratado existente entre Brasil e Itália. Sim, pelo que expressei linhas acima, após a procedência do pedido extradicional, assim julgado pelo Supremo Tribunal Federal, passa a reger a questão, o Direito Internacional, e se houver tratado, os Estados devem respeitá-lo, sob pena de haver sanções internacionais pelo descumprimento de tal documento.
Nesta semana, houve a notícia de que o governo Italiano solicitou esclarecimentos quanto ao voto proferido pelo ministro Eros Grau na extradição aqui tratada, exatamente para afastar eventuais dúvidas quanto ao aludido voto ter mencionado ser discricionária a entrega do italiano Cezare Battisti ao governo italiano. Ao que noticiado, o ministro Eros Grau afirmou na questão de ordem que a entrega não era discricionária mas sim pautada à luz do tratado existente entre Brasil e Itália.
Da redação do artigo 83 da Lei de regência da extradição, interpreto que o Supremo Tribunal Federal age como avalizador do pedido, pois, o texto diz que nenhuma extradição será concedida sem prévio consentimento do Supremo Tribunal Federal, ou seja, quem consente apenas concorda mas o ato em si é praticado por terceiro. Se outra fosse a situação, a lei certamente diria que decidirá acerca da extradição o Supremo Tribunal Federal.
Com isso, concluo no sentido de que em matéria de extradição, o Supremo Tribunal Federal não exerce sua jurisdição pautada simplesmente no Direito pátrio (não no sentido de que não analise ordenamentos estrangeiros, como certamente o faz) e por tal motivo, diferenciada é sua atuação em processos extradicionais, vinculados que são ao Direito Internacional, pois, as partes são Estados Soberanos, cuja expressão máxima de representação são os chefes de Estado, e a partir desta premissa, não vejo como ser emanada ordem de entrega pela Corte Suprema, vez que a quadra é de soberania.

Nenhum comentário:

Postar um comentário