Problemas como lentidão da Justiça, leis ineficientes e cultura do menor esforço ajudam a manter o país como um dos mais corruptos da América.
Adriana Caitano – Veja
O festival de escândalos no governo da presidente Dilma Rousseff ganhou um novo capítulo: como mostra a edição de VEJA desta semana, o lobista Júlio Fróes atua livremente no Ministério da Agricultura – com o aval da cúpula da pasta e direito a privilégios, como uma sala dentro do ministério. A revelação do caso provocou, neste sábado, o pedido de demissão do secretário-executivo da Agricultura, Milton Ortolan, braço direito do ministro Wagner Rossi. E não é de hoje que o Brasil é palco de escândalos de corrupção. Entre as razões pelas quais esse problema se tornou uma chaga no país estão desde a lentidão da Justiça a uma cultura que, muitas vezes, é tolerante com os corruptos.
Há dez anos, a Transparência Internacional (TI) elabora um ranking sobre a percepção da corrupção nos países signatários de um documento, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tem o objetivo de estimular a implantação de práticas para combater o problema. Países em que a população considera os servidores e políticos pouco corruptos ganham nota dez. Os que observam a corrupção como um mal que está disseminado ganham nota zero. Desde que foi criada a lista, em 2002, o Brasil não ultrapassou os quatro pontos – índice semelhante ao de países africanos. Nos últimos dois anos, a nota brasileira foi 3,7.
Para acabar com a corrupção, destaca Guilherme von Haehling, diretor executivo da Amarribo, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) sem fins lucrativos que representa o Brasil na Transparência Internacional, é preciso promover mudanças em todas as esferas do poder público: “Não acredito que a corrupção seja característica de um povo, ela tem a ver com as leis, a fiscalização, a Justiça, a educação que nossas crianças têm nas escolas”.
O cientista político que dirige o Núcleo de Estudos da Corrupção da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Caldas, lembra que a situação financeira não reflete o quanto um país pode estar corrompido. “Não é que o Brasil seja subdesenvolvido, atrasado. O atraso está na mentalidade de deixar que os políticos corruptos roubem e continuem roubando”, diz. O Chile, por exemplo, é o país latino-americano com a melhor pontuação no ranking da TI – manteve uma média de 7,2 pontos desde o início -, apesar de não figurar entre os cinco mais ricos da região.
Em relatório divulgado recentemente, a Amarribo divulgou pontos da convenção anticorrupção da Organização dos Estados Americanos (OEA) que o Brasil assinou em 1996, mas não cumpre até hoje.
Conheça os sete pecados capitais que o Brasil comete e que o aproxima do rótulo de país corrupto.Cultura tolerante à corrupção
Foro privilegiado para políticos
Justiça lentaLeis escorregadias ou ineficientes
Fiscalização acanhada
Falta de transparência
Lição que não se aprende na escola
Três perguntas para Juan Carlos Délano, presidente da Ong Chile Transparente, que representa a Transparência Internacional no Chile.
O Chile é o país da América Latina com a melhor nota no ranking da Transparência Internacional. Quais foram as principais medidas adotadas pelo governo para combater a corrupção? No Chile, ainda que a corrupção não seja generalizada, como em outros países, ocorreram vários escândalos de corrupção no setor público em 2003, o que deu origem à primeira agenda legislativa anticorrupção (agenda de probidade). Essa agenda tem como antecedente as propostas e recomendações da Comissão Nacional de Ética Pública de 1994. Em 2006, com o surgimento de novos escândalos, foi criada uma comissão de especialistas, os quais recomendaram melhorias na agenda de probidade e apresentaram novos projetos de lei para regular os problemas éticos, sobre salários, nepotismo, etc.
Qual foi a medida mais efetiva? Uma conquista legislativa significativa foi a aprovação da lei de transparência da função pública e do acesso às informações da administração do estado e a criação do Conselho para a Transparência (CLPT). Desde a entrada em vigência desta lei, o conselho tem poderes para exigir o cumprimento dela no que se refere à informação ativa e passiva dos 280 serviços e órgãos da administração central do estado. Em 2010, foram 35.411 solicitações. Essa lei consolidou uma nova cultura em todo o país. O governo se abriu e agora tem que demonstrar e fundamentar as decisões tomadas. Ainda é preciso trabalhar mais para que os cidadãos exerçam maior controle sobre o estado, mas várias organizações cidadãs utilizaram a lei de acesso à informação pública para descobrir casos de corrupção, por exemplo, na aprovação de licenças de obras.
Que sugestões vocês dão ao Brasil para que a corrupção diminua? Cada país tem sua própria receita, não podemos dizer que o sistema que está sendo implementado aqui seja exportável a outros países da América Latina. Mas um sistema anticorrupção deve ter uma política de proteção dos denunciantes do setor público e privado, fiscalização pública e privada, transparência dos atos públicos, uma oficina de ética pública que possa realizar a fiscalização das inabilidades, conflito de interesses, proibições dos funcionários públicos, um serviço civil profissional baseado na meritocracia, indicadores de gestão, sistemas de gestão ética e governo corporativo também no setor público e privado, entre outras ferramentas que foram aplicadas em todo o mundo e que conseguiram reduzir o câncer que é a corrupção.
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