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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Que Língua se fala no Brasil?


Há dias, num grupo de residentes da Casa dos Professores em Setúbal, foi posta esta questão. Tendo eu empenhado a parte mais significativa da minha vida a pugnar pela difusão da Língua Portuguesa até aos confins de Timor, não podia deixar de me entristecer a falta de portuguesismo e de autoestima manifestados por vários desses companheiros ao afirmarem que, no Brasil, se fala tudo menos português. Como se nos Estados Unidos ou na Austrália não se falasse inglês e na Argentina ou no México se falasse argentino e mexicano. Infelizmente, muito boa gente que até se reivindica de letras e bem pensante, comunga desta ideia, como que envergonhada de que no Brasil se fale a nossa Língua.
Mas será que, realmente, no Brasil não se fala Português? É natural que também os Brasileiros se tenham questionado acerca deste assunto. Vou socorrer-me de um parecer que me foi solicitado, vão passadas muitas dezenas de anos, e no qual é analisado o seu ponto de vista na matéria. Machado de Assis, glória das letras brasileiras, definiu deste modo a língua nacional do Brasil: A nossa língua é a Língua Portuguesa com pronúncia nossa, algumas insignificantes diferenças sintáticas em relação ao idioma actual de além-mar e o vocabulário enriquecido com grosso contributo indígena e africano e pelas criações e adoções realizadas em nosso meio.
Mesmo os raros escritores brasileiros que algum dia defenderam a criação de uma língua nacional para o Brasil – não mais que Rui Barbosa, João Ribeiro e Raimundo Correia, sem embargo de terem escrito em bom português – em breve mudaram de opinião e se tornaram modelos de vernaculidade. Mas é imensa a plêiade dos que sempre procuraram aproximar-se do padrão ideal da língua literária portuguesa dos quais é justo destacar José Bonifácio, Castro Alves, José de Alencar, Machado de Assis, Afonso Arinos e Olavo Bilac para só citar a meia dúzia dos mais conhecidos e já desaparecidos.
A fim de clarificarem de vez, possíveis dúvidas, em 15 de Outubro de 1946 foi constituída no Brasil uma comissão expressamente encarregada de opinar sobre a designação do idioma falado pelos Brasileiros. Fizeram parte desta comissão cinco membros da Academia de Letras, quatro da Academia de Filologia, dois deputados federais, um inspector geral do ensino, o Reitor da Universidade do Brasil, o Reitor da Universidade Católica e o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa ou seja um total de quinze figuras eminentes da letras brasileiras. Do retrospeto histórico e do relatório elaborado por esta comissão, destaco as seguintes palavras que me parecem bastante elucidativas:
É a Língua Portuguesa aquela em que nós, brasileiros, pensamos, em que monologamos, em que conversamos, que usamos no lar, na rua, na escola, no teatro, na imprensa, na tribuna; com que nos interpela, na praça pública, o transeunte desconhecido que nos pede uma informação; é, por assim dizer, a nossa língua de todos os momentos e de todos os lugares. É inteiramente falso dizer-se que, assim como do latim vulgar transplantado para o ocidente da Península Ibérica, resultou o idioma português, assim do português trazido para o Brasil resultou a língua brasileira. Os estudos científicos, sérios e imparciais, aplicados ao Brasil, fazem-nos concluir que a nossa língua nacional é a Língua Portuguesa, com pronúncia nossa. Lemos e compreendemos tão bem uma página de Eça de Queirós quanto uma de Machado de Assis; e quando em escritos de autor brasileiro ou português, desconhecemos o sentido de qualquer palavra, recorremos a um dicionário da Língua Portuguesa. Nunca o Brasileiro, para ler um jornal ou um livro português, precisou de aprender previamente a língua de Portugal: não há dicionários de Português/Brasileiro nem Brasileiro/Português; a gramática da língua nacional no Brasil é a mesma gramática portuguesa.
Este relatório encerra com a seguinte, quase diria dramática, conclusão formal: À vista do que fica exposto, a comissão reconhece e proclama esta verdade: “O idioma nacional do Brasil é a língua Portuguesa. E, em consequência, opina que o idioma nacional do Brasil continue a ser a Língua Portuguesa. Esta denominação, além de corresponder à verdade dos factos, tem a vantagem de lembrar em duas palavras – Língua Portuguesa – a história da nossa origem e a base fundamental da nossa formação de povo civilizado.”.
Não estou a ver em Portugal quem fosse capaz de defender, com tal convicção e sinceridade, este ponto de vista. Mas há mais. Maria Teresa Biderman, professora da Universidade de S. Paulo, escreveu: "Não pensem os Portugueses que nós, brasileiros, não nos importamos com a tradição que deles recebemos. A nossa Língua é tão especial para nós como para eles, pois também é o nosso veículo de comunicação e expansão, oral e escrito; e nessa Língua muitos escritores e poetas brasileiros criaram um tesouro literário de que muito nos orgulhamos. A despeito das diferenças fonéticas e vocabulares, sobretudo na expressão oral, a língua que usamos, aquela que define a nossa própria identidade é a mesma ou seja a Língua Portuguesa.".
Não se justifica, portanto, a menor dúvida de que as línguas que se falam em Portugal e Brasil, como em todo o universo dos utentes do Português, são uma e a mesma língua. Porém não espartilhada num esquema rígido e definitivo. Algumas particularidades, não só naturais como desejáveis, em nada alteram esta verdade. Fernando Pessoa para quem “a minha Pátria é a Língua Portuguesa” – e foram os Brasileiros quem o descobriu – na pluralidade dos seus estilos e heterónimos, não escreveu Português?!

Prof. António Matoso

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